quarta-feira, 17 de junho de 2009

Por que alfabetizar com textos

Ao longo da disciplina, sempre discutimos a utilização de textos em turmas de alfabetização, ressaltando a questão de desenvolver o hábito da leitura, e aproveitar a riqueza do material escrito, mas sem reduzir as atividades à mera decodificação de palavras.
Aí vai a dica do por que alfabetizar com textos. Aproveitem.


POR QUE ALFABETIZAR COM TEXTOS:

O mundo da linguagem é o mundo dos textos orais e escritos. As crianças lidam com a linguagem como qualquer falante nativo. Para elas a linguagem é tudo que se diz e ouve, é um processo de interlocução que se realiza em práticas sociais.
As crianças constróem hipótese sobre a leitura e a escrita a partir da participação em situações nas quais os textos tenham uso social de fato.
Esta proposta de alfabetizar com textos implica em estabelecer relações com a língua numa perspectiva de letramento


1. Ser falante da língua portuguesa:
Todo falante tem um conjunto de regras interiorizadas. Uma gramática com todas as regras necessárias para usarem a linguagem de maneira perfeita. Engana-se quem pensa que é banal dizer que bebê tem dois pedacinhos e pertence a família do ba-be-bi-bo-bu. Para o aluno isto é fantástico! Pois eles aprenderam a falar no seu contexto natural e não precisam estudar os sons isolados para depois agrupá-los.

2. Saber a diferença entre desenho e escrita:
Desenho e escrita são representações gráficas, portanto, da mesma natureza. Toda escrita é uma forma de desenho, mas nem todo desenho é uma forma de escrita. O que distingue um desenho de uma escrita é o fato de o desenho referir-se a objetos do mundo e a escrita referir-se a linguagem oral, a palavra, a idéia.

3. Não se escreve com rabiscos, bolinha etc...
Distinguir desenho de escrita é um primeiro passo. As crianças usam rabiscos e bolinhas porque acham (com justa razão) que escrever é fazer uma representação gráfica associada a uma fala. É por essa razão que elas escrevem e lêem logo em seguida.
Porém a escrita é uma forma de representação do pensamento, e para garantir a função da escrita, que é a comunicação, e para que todos entendam, foi criado o alfabeto, que é uma convenção. Para uma escrita ter significado é preciso ser estabelecido um código, uma convenção para que todos possam entender.
O alfabeto é um conjunto de letras que são símbolos arbitrários e representam os sons vocálicos e consonantais que constituem as palavras.

4. A fala aparece na escrita segmentada em palavras:
Temos aqui duas idéias importantes. Do ponto de vista da percepção auditiva, a linguagem oral é um contínuo, interrompido às vezes por pausas. Não há nenhuma dica que mostre aos ouvintes onde começam e acabam as palavras. No entanto o nosso sistema de escrita exige que as palavras sejam escritas com um espaço em branco. Mostrando material escrito às crianças é fácil explicar isto.

5. O que é palavra: idéias & sons - letras e ortografia

A palavra é a unidade básica de qualquer sistema de escrita, inclusive no alfabético, por causa da ortografia. A noção de palavra não é importante somente como fruto da segmentação da fala para construir unidades de escrita. Ela tem a ver também com o significado. É também uma unidade de significado. Quando o aluno estiver tentando ler, ele precisará chegar até a palavra para dizer o que está escrito. Portanto, palavra é uma seqüência de letras que traduzem idéias, sons e tem um significado.

6. Controlar o significado das palavras nas segmentações:
Quando o aluno segmenta na fala para descobrir as fronteiras de palavras precisa ficar atento ao significado e se guiar por ele. Como os alunos estão acostumados a falar sem refletir lingüisticamente sobre a estrutura de palavras, é preciso que o professor faça exercícios para mostrar como podemos segmentar as palavras.


7. Como controlar as seqüências de sons das palavras nas segmentações:

Antes de aprenderem a escrever, as crianças têm uma excelente acuidade auditiva e facilidade para observar a fala como um todo. No entanto, quando se trata de teorizar sobre o que ouvem, fica tudo mais difícil. Sabendo desta situação, o professor deverá mostrar unidades sonoras menores que a palavra, fazendo-os observar rimas, sons iniciais, de nomes e de coisas, sons repetidos como parte de palavras. Procedimento como este levam quase sempre a identificação de sílabas e não de vogais e consoantes.

8. Saber segmentar a fala para a escrita: palavras, consoantes e vogais:
A partir de um enunciado oral, o aluno precisa identificar as palavras e os segmentos vocálicos que a compõem. Em seguida, precisa atribuir letras a esses segmentos vocálicos e reconstruir a palavra e, de palavra em palavra, chegar à frase. Trata-se de um trabalho sutil de cortar e colar, de desmontar e remontar a estrutura lingüística.

9. O alfabeto como um conjunto de letras:
Este conhecimento é uma decorrência dos fatos expostos anteriormente. Quando o aluno entende isto, irá procurar os recursos para aquilo que quer escrever recorrendo apenas ao alfabeto e não a outras coisas. Lembre-se que é uma etapa muito importante para o aluno quando escreve apenas com letras, mesmo que o faça com muitos erros. Logo é importante que o aluno tenha em mente que está lidando com um conjunto pequeno de símbolos e que não há nada fora dele.

10. O que é uma letra: unidade abstrata:
Há muitos parâmetros que definem o que seja uma letra. Trata-se de uma questão razoavelmente complexa na teoria como na prática. É preciso destacar que letras não são coisas concretas mas abstratas. Quando nos referimos a letra “A”, não estamos falando de nenhuma letra “A” em particular, mas de tudo o pode ser uma letra “A”.
Quem define o que pode e o que não pode ser uma letra “A” é a ortografia. Assim, de acordo com a ortografia, as palavras devem ser escritas com seqüências de determinadas letras e não de outras.


11. O nome das letras. Categorização gráfica: inúmeros alfabetos com as mesmas letras:
Em todos os sistemas de escritas, conhecer os nomes dos caracteres é a chave da decifração. Saber quais letras são é o primeiro passo de reconhecimento do material escrito para poder decifrá-lo.
Como as crianças se interessam pela escrita muito cedo e vão tentando aprender como ela funciona, inventam nomes para as letras. Assim, vão chamando as letras com nomes de pessoas e coisas. No contexto da vida, as crianças podem fazer como quiserem, entretanto, na escola, o mais aconselhável é que os professores ensinem os nomes reais das letras aos alunos o mais cedo possível.


12. Princípio acrofônico como chave da decifração da escrita:
Quem inventou o alfabeto o fez por meio de um princípio acrofônico. Escolheu uma lista de palavras que começavam com sons diferentes, de tal modo que todos os sons da língua estivessem contemplados. Em seguida escolheu um caractere para cada som que iniciava cada palavra. Esse conjunto de caracteres representando um conjunto de sons é o alfabeto. A história do alfabeto deixa bem claro como o princípio acrofônico foi o responsável pela criação do alfabeto e é a chave da decifração desse sistema de escrita. A ortografia veio ajudar muito o uso do sistema de escrita na sociedade, mas criou problemas com relação à representação dos sons pelas letras.
Como foi enfatizado várias vezes, não basta identificar as letras e atribuir a elas os sons possíveis através do princípio acrofônico e das normas ortográficas. Para se decifrar a escrita, é crucial que se chegue à palavra como um todo, quer no aspecto fonético, quer no aspecto semântico, um controlando o outro.


13. O princípio acrofônico é o ponto de partida/ o ponto de chegada é a ortografia:

Não basta lidar com o princípio acrofônico. Ele é um bom ponto de partida, mas não é o ponto de chegada, como as cartilhas e alguns estudiosos acham. Para se entender direito como funciona o sistema de escrita, como se lê e se escreve, é necessário ter uma compreensão bastante detalhada a respeito da ortografia como estruturadora de nosso sistema de escrita. Caso contrário os alunos ficarão sempre com dúvidas para ler e escrever, gerando medo e inibindo-os de fazer qualquer atividade que envolva ler e escrever.

14. Variação funcional das letras controlada pela ortografia/ Sistema alfabético ortográfico:

A ortografia controla o alfabeto, inclusive o valor fonético que as letras têm. O uso alfabético do alfabeto, ou seja, quando as letras representam sons independentes das palavras, gera o que se chama de transcrição fonética.
Muitas crianças recebem de seus professores uma idéia que as leva a escrever como se estivessem fazendo transcrições fonéticas. Em um primeiro momento, para dar mais liberdade e incentivar os alunos, escritas desse tipo podem ser feitas. Porém, é importante que seja dada uma explicação sobre ortografia, para que os alunos não fiquem pensando que o modo como estão escrevendo é o ponto de chegada.

15. A ortografia como forma congelada da escrita, neutralizando a variação lingüística:
Enquanto os alunos não se derem conta de que a ortografia é uma forma congelada da escrita, e que não reflete a fala individual de ninguém, vão ter sérias dificuldades para lidarem com os erros.

16. Palavras variam não só de acordo com regras fonológicas, mas também de acordo com regras morfológicas:
Alguns casos de variação vêm da dificuldade de relacionar fala e escrita na alfabetização, dificuldades típicas da escrita, por um lado e da fala por outro. Acontece, no entanto, que há problemas oriundos de outros níveis de análise gramatical. Assim, para saber escrever uma palavra como mal ou mau, é necessário saber que se trata de um substantivo, de um adjetivo ou de um advérbio.

17. Identificar outros sinais da escrita (além de letras), os acentos, os diacríticos, marcas, etc:
Para saber ler é preciso distinguir sinais de pontuação e demais marcas da escrita do conjunto de formas gráficas que forma o alfabeto.


18. Aspectos secundários das letras: tamanho, direção, linearidade, especialidade, maiúscula, estilo, caligrafia, etc.
Embora não costumem interferir de maneira perniciosa no aprendizado da leitura e da escrita, certos aspectos físicos da grafia da escrita podem atrapalhar. Mesmo não atrapalhando, são aspectos importantes da cultura escrita e devem ser abordados pela escola.

19. Ler não é só decifrar os sons das letras e das palavras, mas conseguir pensar uma mensagem elaborada por outras pessoas e representada na escrita:
À medida que o processo de leitura vai se sofisticando, exigi-se um maior esforço mental da parte do leitor porque ele precisa entender algo que foi pensado e organizado por outra pessoa, mas acessado por ele através da escrita.



CONCLUINDO...
As noções que foram apresentadas representam o que há de mais importante para uma pessoa poder dizer que sabe como se faz para ler uma simples palavra como pote. Um professor que não souber lidar com esses conhecimentos não terá condições de controlar o processo ensino - aprendizagem na alfabetização.


Material produzido baseado em: MASSINI-CAGLIARI, Gladis & CAGLIAR, Luiz Carlos. Diante das letras. Campinas, Mercado de Letras,1996

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